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“Depois que a gente perde um filho, todas as causas e bandeiras são as nossas bandeiras”

por Lucianna Silveira/Coletivo Nigéria


Pela manhã, no segundo dia do encontro (18/05), foram realizadas mesas temáticas abordando as diferentes lutas sociais na perspectiva religiosa, da sociedade civil, das mães e dos familiares e também dos sobreviventes das violências.


O momento de abertura, um ato inter-religioso, contou com representantes de diferentes crenças religiosas. Estiveram presentes Patrícia Matos, pedagoga e sacerdotisa na Aldeia Caboclo Sete Flechas, Padre Marco Passerini, que atua junto a população carcerária e adolescentes em medida sócio educativa e as suas famílias, e Márcia Jacintho, pastora da Igreja Pentecostal Deus do Impossível, coordenadora da Rede Nacional e integrante da Rede de Comunidade e Movimento Contra a Violência, do Rio de Janeiro, e mãe de Hanry Silva, adolescente que foi morto aos 16 anos, durante uma operação policial na sua comunidade.


Márcia criticou a violência policial e de como ela é enraizada e acontece de maneira semelhante em todos os estados. Também ressaltou o adoecimento físico e psicológico das mães e familiares durante a trajetória de enfrentamentos.





“É isso que o Estado quer: mulheres sem reação. Mas nós somos mulheres guerreiras. Nós já vencemos o Rivotril”

E reiterou suas lutas “Hoje a preocupação não é só conosco. É também pelo desencarceramento, é pelo sem terra, é pelo usuário de crack…É automático, depois que a gente perde um filho, todas as causas e bandeiras são as nossas bandeiras”





Na segunda mesa intitulada Redes de Resistência: por Memória, Justiça e Direitos Humanos estiveram presentes Edna Carla, do Movimento Mães do Curió, Alêssandra Félix, do coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional, e Márcia Jacintho, coordenadora da Rede Nacional e integrante da Rede de Comunidade e Movimento Contra a Violência, do Rio de Janeiro.


“Você tem que estar bem psicologicamente, você tem que estar bem pra lutar pelo seu filho, porque ninguém vai ter a tua voz pelo teu filho. Pode todo mundo se levantar pelo teu filho, mas não é como a voz da mãe. Então vocês se mantenham vivas”, alertou Edna.

Edna também falou sobre o processo de construção e produção do livro “Onze”, lançado no final do ano passado.


Alêssandra contou em sua fala um pouco da luta das mães que têm filhos encarcerados, a busca por um sistema de ressocialização a essa comunidade e a luta pelos direitos dos internos.


"Quando a gente chega num espaço de privação de liberdade, algo que me atravessou e que eu nunca me esqueci dessa frase é que 'os presídios eram depósitos de lixos não recicláveis', eu quero dizer a vocês que não é, prova disso é o meu filho que tá aqui. A gente lutou pela vida dele, a gente tem hoje um sobrevivente do cárcere aqui e o nosso desejo é que tenhamos mais".

Logo após a mesa, houve uma performance com o poeta marginal e artista de rua, Chris Rodrigues, conhecido como Poesia Viva.




“Senhor, trave as pistolas que cospe bala em mais um. Nós tá cansado de chorar pelo que dá pra evitar. Me diga: quantos e quantas vão dormir pra sempre para que nós possamos acordar?” Chris Rodrigues, Poesia Viva







Por último, no segundo momento da segunda mesa, estiveram presentes um jovem sobrevivente da chacina do Curió. Cristiane Faustino, ex-presidente do CEDDH (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará) e Mara Carneiro, coordenadora geral do CEDECA Ceará.


Durante sua fala, o sobrevivente recitou um trecho de uma poesia de sua autoria, feita em homenagem e por memória das vítimas da chacina, narrando as violências sofridas nas periferias e também da qual vivenciou. A poesia está presente no livro “Onze”.


Leia o livro Onze aqui
Ouça o livro Onze aqui

“Anoitece nas quebradas.

Há sangue nas calçadas.

Corpos espalhados - Quem são os coitados?

Como sempre um cidadão.

Um primo, um pai ou um irmão.

A população logo julga: É marginal de alma suja!

Merecia morrer! - Só pelo modo de viver.”


“Tá tudo tão confuso!

Tá tudo tão confuso!

Minha mente abalada, a visão borrada:

Não sei se foi tiro ou se foi uma fumaça…

Tudo tão confuso!

Tá tudo tão confuso!”


Logo após, Cristiane Faustino, falou sobre a violência e silenciamento sofrido pela população negra e indígena. “O que é o terrorismo do Estado?”, questiona. Para Cristiane, os crimes que ocorrem cotidianamente, sobretudo contra essa população, são praticados dentro do processo de produção da pobreza. “O Brasil é um país fundado na violência".


Por último, Mara Carneiro citou o Artigo 227, da Constituição Federal, em que a família, a sociedade e o Estado possuem papéis fundamentais como defensores e protetores dos direitos básicos de crianças, adolescentes e jovens com absoluta prioridade. E reforçou que o Estado também faz parte dessa tríade.


Mara citou um estudo feito pelo CEDECA Ceará sobre os investimentos para criança e adolescente em 20 anos, com uma queda, em comparação com o investimento público feito para a área de segurança pública e encarceramento, no Ceará. “E foi o período que mais se aumentou o número de violência no estado. Isso não pode ser coincidência", questionou Mara.


Enquanto a mesa acontecia, algumas intervenções eram feitas pelas mães. Em algum momento ecoa: “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de resistir”.


No encerramento das mesas, as mães e familiares se juntaram em uma única voz, cantando a música que já foi grito também em encontros anteriores:




“O problema não é meu, nem seu, é nosso, não sabia? punhos cortando o ar, mostram que não somos minoria. Hoje o quilombo vem dizer, favela vem dizer, a rua vem dizer, que é nós por nós.”


Microfone Aberto


Após as mesas, houve um momento de microfone aberto. Confira algumas das falas:


Silviane, uma das mulheres presentes, foi a primeira a falar, ela recitou uma poesia de sua autoria, contando a luta das mães e familiares e em memória de Naninho, adolescente assassinado em 2020, na comunidade em que morava, em Florianópolis.


“... Como disse Belchior: Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, em 2020 eu morri, mas esse ano, eu não morro. Cena forjada não dá pra aceitar, por isso que a canseira não vai mais nos calar. Naninho, ele vive em nós, por isso, jamais vai calar a nossa voz”



Sandra Sales, mãe de Ingrid Mayara, assassinada no Bairro Ellery, em Fortaleza, em ação policial durante uma festa de pré-carnaval, em 2013, desabafou sobre seu adoecimento e o adoecimento que as mães e familiares enfrentam na luta.


“Hoje eu vim pra relatar a minha total insatisfação, a minha falta de saúde, mas não a minha esperança. Eu fiquei 8 anos lutando, pra quê?”, questiona Sandra, já adoecida física e mentalmente, desde a morte de sua filha.



Arlete Roque, falou logo em seguida. Arlete é uma das mães do Coletivo de Mães de Manaus e mãe de Alex, morto em 2016, junto com outras duas pessoas, enquanto foi abordado por viaturas. O corpo de seu filho e das duas outras vítimas até hoje não foram encontrados. Arlete também falou sobre a situação carcerária em Manaus, e sobre a política de encarceramento e a realidade dos presídios.


Ilsimar de Jesus, da Rede de Mães da Baixada, do Rio de Janeiro, deixou um recado ao estado: “Esse Estado genocida é uma máquina de matar"...mas "eu sou a resistência, eu sou a voz do meu filho e vocês têm que parar de nos matar”. Ilsimar perdeu o filho Victor Hugo, de 17 anos, em 2018, por policiais militares após o filho e um amigo serem confundidos com traficantes. "Todos os anos, eu recebia flores do meu filho e há 4 anos eu não recebo". Na sua luta, encontrou fortalecimento ao lado de outras mães, que lhe acolheu quando mais precisou.


Deize Carvalho, do Núcleo de Mães Vítimas de Violência, fez uma representação encenada comparando uma mesma situação sendo vivenciada por uma pessoa negra e uma branca e as diferentes reações e abordagens feitas pela polícia e pela sociedade, normalmente, nos dois casos.


“Nós somos mortos pela cor da nossa pele”. Sobre a resistência das mães, sendo a voz dos filhos, ela refletiu: “Mãe é um leão, é um urso, e quando tiram o filho dela, ela é um zoológico".

Vanessa, uma das mães de vítimas da chacina do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, lembrou da triste estatística de mortes e sua lógica racista, no seu estado, bem como visto no restante do país.


“Meu filho estava dentro de uma casa, não tinha arma, não tinha drogas, e foi assassinado com tiros nas costas. Infelizmente a gente vive num mundo que preto não tem vez”. Eu fui humilhada pelos policiais. Porque ele falou que eu era útero de bandido. E eu não gerei bandido, gerei o meu filho, Richard Gabriel. Não tinha pai, mas tinha mãe.”

Gleice e Fernanda, da Associação de Mães e Amigos da Criança em Risco (AMAR), do Rio de Janeiro, falaram sobre o descaso do poder público, Fernanda contou sobre a tortura sofrida pelo filho no sistema socioeducativo.


Encerrando os momentos de fala, Cícera Ivanilda, mãe de Naninho, falou sobre o assassinato de seu filho e sobre a situação de invasão sofrida na sua casa enquanto acontecia o encontro.


Assim se encerrou o momento pela manhã.






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